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Sobre Leo Gonçalves

Leo Gonçalves é poeta, tradutor, curioso de teatro, música, cinema, política, culinária, antropologia, antropofagia, etnopoesia e etnologia, vida, educação, artes plásticas etc.

MIP2 – Sobreabismos

 

viaduto santa tereza

Quem já ouviu falar do viaduto Santa Tereza, pode pensar que se trata de uma obra prima da construção civil. Mas não é. É apenas um dos muitos lugares inóspitos da cidade, construído originalmente para a travessia de carros e pedestres. Não é longo: caminhando com calma, pode-se atravessá-lo em 10 minutos. Seus famosos arcos e os postes antigos que o iluminam dão-lhe um ar pitoresco, e pode ser animado pela imensa faixa de céu que se abre acima, o sol que se esconde à esquerda, atrás da praça da estação, e a feia linha do metrô que passa por baixo. Também passa embaixo o rio Arrudas que, de tão feio e fedorento, foi coberto de cimento e asfalto. Olhando na extremidade que está conectada ao centro, vemos muitos prédios. E por todos os lados, asfalto e tráfego. Embora por ali passe sempre muita gente, sua função é a de unir os bairros da região leste de Belo Horizonte ao centro, garantindo o tráfego funcional do município.

A proposição se chama Sobreabismos. Duas bacias dispostas lado a lado em cada extremidade da calçada direita. Em uma delas, água. Na outra, uma combinação de pigmentos que lembram algum minério extraído das minas gerais. A performer Cinthia Mendonça pisa na bacia com água, molha bem os pés descalços e depois se deixa sujar com o pó amarelo-avermelhado da outra bacia. Segue então seus passos até o outro lado da ponte. O trabalho, que faz parte da programação da MIP2 (Movimentação Internacional de Performance), teve seu início na sexta-feira, dia 07 de agosto às 14h e foi até o pôr do sol. No percurso, observações, contatos humanos, encontros previsíveis e imprevisíveis, diálogos, descobertas, um rastro colorido no chão e a teimosa vontade da artista de ser elo entre os dois lados do incontornável precipício que habita o indivíduo da cidade grande.

Às 16:30, começa outra performance, desta vez na praça da estação. Durante duas horas e meia, o grupo Xepa realiza a Edificação: muros construídos com tijolos limpos cor laranja. Os tijolos, encaixados um por um pelos performers, não levam cimento e são colocados num ângulo levemente deslocado até o ponto de cair. Por alguns instantes, a simbologia de dureza e rigidez é forçada ao ponto de tornar-se movimento. O resultado final é um conjunto de esculturas-instalações que fazem da cinzenta praça um lugar apocalíptico e colorido por onde o passante pode sentir que está ou entre barricadas ou no meio de um quadro surrealista. Infelizmente, por questão de tempo, só pude ver esse trabalho no momento em que os realizadores já não estavam presentes. Mas, enquanto passava por ali, por volta das 19h, por entre as muretas caídas e abandonadas, ainda pairavam no ar algumas reflexões.

A palestrante portuguesa Suzana Vaz, comentou a idéia de Joseph Beuys de que “todas as pessoas são artistas” para concluir algo mais ou menos assim: “Quanto a mim, acho que a maioria das pessoas atualmente sofre de uma certa normalpatia que as leva a não entender nada que não caiba nos moldes do sistema consumista. É claro que essa minha opinião não está livre de discordâncias, mas assim é como eu vejo”.

Em Belo Horizonte, nesta época do ano, o sol se põe antes das 18h. Nesse horário, o centro está repleto de pessoas que vão e vêm em busca das conduções que as levarão de volta para casa. Na praça da estação, especialmente, há muitos pontos de ônibus que levam até os bairros mais periféricos da cidade. É realmente um grande e rápido fluxo de gente. E, exatamente por esta razão, uma operadora de telefonia móvel resolveu instalar ali um ruidoso balão dirigível vermelho com a notícia de sua mais nova promoção, eclipsando as Edificações do Xepa. E, enquanto eu caminhava pela populosa praça, onde as pessoas não podiam deixar de olhar para o imenso outdoor que a todo momento ameaçava alçar vôo, eu sentia a melancolia de quem anda sobre abismos. Os mesmos e incontornáveis abismos que distanciam de ações propositivas como estas e muitas outras que participam da MIP2, as imensas procissões cotidianas do consumismo e da normalpatia.

MIP 2 – Movimentação Internacional de Performances

MIP - Movimentação Internacional de Perfoirmance

Belo Horizonte é palco da MIP – Movimentação Internacional de Performance. O encontro, que já povoa a cidade há duas semanas, com workshops e intervenções no espaço urbano, recebe artistas performers de todo o mundo e é organizado pelo Ceia – Centro de Experimentação e Informação de Arte. A mostra de performances acontece entre os dias 3 e 9 de agosto.

Abertura: 3 de agosto de 2009 às 14h no Espaço 104 (Praça Rui Barbosa, 104, Centro – Belo Horizonte, Brasil)

[Sugestão (noite): traje azul]

Acesso: entrada franca

Para saber mais: www.ceia.art.br/mip

Fabiana Cozza – Quando o céu clarear

Show de abertura da turnê Quando o céu clarear, de Fabiana Cozza em Belo Horizonte

Depois do entusiasmo que tive no ano passado, ao ver o show Mo gbe orisa com Fabiana Cozza brilhando no palco da sala Juvenal Dias, eu tive a sorte de ir a quase todas as suas passagens por BH. Quando escrevi algo sobre ela, na ocasião, a promessa de uma apresentação no Grande Teatro do Palácio das Artes em setembro acabou por não cumprir-se. Mas ouvi da boca de um caboclo que para o orum não há tempo. E aqui está Fabiana abrindo a turnê “Quando o céu clarear”.

Ela é a dona de uma das vozes mais poderosas que se viu neste país tão privilegiado de belas vozes. Acrescente-se aí o axé e a sedução que se instalam na sua presença, tudo dentro de um show que é ao mesmo tempo lírico e dançante. Um concerto desses não se pode perder.

Show da turnê “Quando o Céu Clarear”, de Fabiana Cozza com participações de Sérgio Pererê e Mauricio Tizumba
Data e horário: 29 de julho (quarta-feira), às 20 horas
Local: Grande Teatro do Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537, Centro)

Para mais informações:
BEBOP Comunicação & Cultura
(31) 3224-1251

Para ouvir:
www.myspace.com/fabianacozza
www.fabianacozza.com.br
www.fabianacozza.blogspot.com

Para ler a matéria publicada dia 11 de julho no Estadão:
www.estadao.com.br

Céu inteiro – Ricardo Aleixo

ceu-inteiro: ricardo aleixo

Céu inteiro é o livro de constelações lançado por Ricardo Aleixo em novembro do ano passado. Terceira publicação da coleção Elixir, edição primorosa lançada com os auspícios de Flávio Vingoli e impressa na gráfica do Matias. Céu inteiro já é, com certeza, uma raridade e eu tenho a sorte de ter nas minhas mãos o meu exemplar autografado.

Ricardo avisa na introdução: “Este pequeno conjunto de lipogramas que compus ao longo de 2007 foi desentranhado de um projeto mais amplo, intitulado Modelos Vivos“. Diz também que este será lançado em breve. Não conheço ainda os Modelos. Tampouco sei o que são lipogramas. Sei que Céu Inteiro é um livro de constelações. E constelações para quê servem? Ora, para ver os signos.

Constelações tipográficas nos remetem imediatamente a Stéphane Mallarmé, que, às vésperas da era do offset (finais do século XIX), se esforçava para não “presumir o futuro” que daquelas esletras sairia. Um lance de dados jamais aboliria o acaso. Hoje, em plena era digital, época em que poucos tipógrafos se dão o trabalho de compor um livro, publicar algo nesses moldes é um desafio. No futuro de Mallarmé, a visualidade é um ruidoso mundo que já não depende de tintas.

Mas o Ric não cai no concretismo fácil, como é ampla tendência, de mestre a aprendiz, na poesia brasileira. Esse Céu é diversão garantida para leitores aficionados por nuances sígnicas, apelos de todo tipo à senso/rialidade do ouvido livre. Um céu inteiro em a – e – i – o – u. Festas: frestas. Onde a orelha fala e a boca escuta (como queria Valéry). Onde cada mínimo sinal ou signo minimal te acena com jorros de plurissignância. Vale a pena seguir a sugestão de “estraçalhar o tempo” para desfrutar.

O som e o sentido – José Miguel Wisnik

o som e o sentido - uma outra história das músicas, livro de josé miguel wisnik

Mais um livro para a minha estante de cabeceira. José Miguel Wisnik está afiadíssimo nesta “outra história das músicas”. Há muito tempo sou um leitor apaixonado de histórias da música. Apesar disto, costumo me aborrecer com a tediosa e repetitiva eurocentrização do som. Daí a surpresa deste livro.

Publicado pela primeira vez em 1989, O som e o sentido mostra um pouco das concepções primordiais do som em cada cultura. O som (organização arbitrária em cada povo) entendido como antítese de ruído, a organização do sentido em meio ao caos sonoro reinante no planeta. Som – palavra. Sonho sentido.

Interessante a distribuição temática do assunto: ao dividir a história da música em períodos em que reinam o Modal, o Tonal e o Serial, Wisnik produz um efeito de ecos no qual a história da música deixa de ser uma mera descrição do passado e se transforma numa verdadeira presentificação dos infinitos sons que circulam pelas mentes e ouvidos do mundo atual.

Em tempos de alta circulação de arquivos sonoros pelo planeta (com apoio de youtubes, emules e rapidshares), a sugestão é não se ater à simples (porém necessária) audição do cd que vem junto com o livro, mas acompanhar a leitura com a audição aprofundada de cada som sugerido. Pigmeus do Gabão ou os gamelões de Bali, as escalas de microtons indianas e árabes, as pentatônicas da economia política chinesa e africana, sem falar nas maravilhas da era tonal e pós-tonal.

A música modal é a ruidosa, brilhante ritualização da trama simbólica em qua a música está investida de um poder (mágico, terapêutico e destrutivo) que faz com que a sua prática seja cercada de interdições e cuidados rituais. Os mitos que falam da música estão centrados no símbolo sacrificial, assim como os instrumentos mais primitivos trazem a sua marca visível: as flautas são feitas de ossos, as cordas de intestinos, tambores são feitos de pele, as trompas e as cornetas de chifres. Todos os instrumentos são, na sua origem, testemunhos sangretos da vida e da morte. O animal é sacrificado para que se produza o instrumento, assim como o ruído é sacrificado para que seja convertido em som, para que possa sobrevir o som.

(…)
O mundo é barulho e é silêncio. A música extrai som do ruído num sacrifício cruento, para poder articular o barulho e o silêncio do mundo. Pois articular significa também sacrificar, romper o continuum da natureza, que é, ao mesmo tempo silêncio ruidoso (como o mar, que é, nas suas ondulações e no seu rumor branco, freqüência difusa de todas as freqüências). Fundar um sentido de ordenação do som, produzir um contexto de pulsações articuladas, produzir a sociedade significa atentar contra o universo, recortar o que é uno, tornar discreto o que é contínuo. (José Miguel Wisnik)

Fronteiras da pele, o novo livro de poemas da Ana Maria Ramiro

fronteiras_da_pele

Fronteiras da pele é o resultado de um projeto iniciado em Brasília e que levou dois anos para ser concluído. Em grande medida, é fruto de várias interferências diretas e indiretas: visuais, sonoras e pessoais, que acabaram influenciando o direcionamento que dei ao trabalho no tratamento com a linguagem.
(…)
Espero que o leitor consiga sentir o ritmo da respiração, o eriçar dos pelos, as pulsações e o movimento dos órgãos contido em cada um desses entes-poemas.

Ana Ramiro (www.girapemba.blogspot.com)

Ana Ramiro acaba de publicar seu novo livro de poemas. Fronteiras da pele sai pela Lumme editor, numa coleçãozinha que já conta com outras belezuras. Confira.