Dois poemas de W. B. Yeats que falam da passagem do tempo, espécie de carpe diem às avessas. “Antes da criação do mundo” é a voz de uma mulher que se embeleza, não porque seja vaidosa, mas porque vive em busca do arquirrosto, da arquibeleza, da imagem mítica de si mesma, como quem buscasse a língua original da comunicação olho-no-olho. Sua amargura (“E se ao olhar um homem/Ainda que seja meu amado,/Meu sangue se congela/E meu peito fica estagnado?”), lembra um pouco a impenetrabilidade das femmes-fatales tão caras à geração simbolista, especialmente as que aparecem em poetas como Swinburne e Pierre Louÿs. Algo lá no fundo, os ovidianos “medicamina faciei femineae”, talvez, dizem: o tempo há de seguir em frente, mas continuarei buscando aquela que fui “antes da criação do mundo”.
A “well-beloved” do poeta é a vítima dos consoladores de rapina que chegam para dizer que não há problema em ver que a juventude aos poucos desaparece no seu rosto, ao que o poeta protesta. A fascinação daquilo que é difícil, tema de um outro poema de Yeats, também parece atuar aqui. O rosto da mulher amada se faz mais belo com o passar do tempo, diz o coração do poeta. O tempo só faz o belo mais belo.
Esses dois poemas que eu e Clarice Goulart traduzimos (nossa primeira parceria, preparem-se que aí vêm muitas outras!), ganharam morada apropriadíssima num site chamado “Musa rara”. Afinal, não seriam musas raras essas mulheres de Yeats?
Em tempo: participei na semana passada do Menu de Poesia, sarau que acontece no CCSP a cada mês organizado por Maria Alice Vasconcelos. Na abertura do evento, ouvimos em grande deleite o texto do Edson Cruz (editor do Musa Rara) sobre sua afroascendência afirmativa. Frases como “Sim, os argumentos que livram o negro das armadilhas do discurso colonial podem se constituir em uma nova forma de idealização do negro”, ou “Sim, as expressões “escritor negro”, “literatura negra” ou “literatura afro-brasileira” podem rotular e aprisionar mais ainda, mas instauraram e ainda instauram um debate necessário e urgente”, ou ainda “Sim, o opositor não é o brasileiro branco, mas o brasileiro preconceituoso”, ficaram ecoando em minha mente nos dias seguintes. Fico feliz que ele tenha decidido tornar públicas num sentido mais amplo as palavras que ele proferiu.
Leia os dois poemas de William Butler Yeats aqui:
http://www.musarara.com.br/antes-da-criacao-do-mundo
E o texto “Afroascendente afirmativo” de Edson Cruz aqui:
http://www.musarara.com.br/afroascendente-afirmativo
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Aproveitando este segundo tema, na semana passada apareceu na franquia virtual da revista Modo de Usar e Co., mais um poema congolês traduzido por mim. Desta vez, se trata de “Notícias de minha mãe” (Nouvelles de ma mère) de Jean-Baptiste Tati Loutard.
Para lê-lo, é no:
www.revistamododeusar.blogspot.com.br