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a morte de josé agrippino de paula

1967 foi um ano chave. glauber rocha lançava terra em transe. zé celso martinez entrava em cartaz no teatro oficina com o rei da vela de oswald de andrade. a tropicália a toda. na literatura: josé agripino de paula lançava o seu panamérica. caetano na vitrola: “panaméricas de áfricas utópicas/túmulo do samba mais possível/novo kilombo de zumbi”

passaram-se 40 anos. o teatro oficina do zé celso continua sua luta pela sobrevivência num país que é ainda o túmulo do samba mais possível. e do samba menos possível também.

passaram-se 40 anos e josé agrippino passa dessa para uma melhor. falecido em 04 de julho. sem louros, sem reconhecimento que valha os 40 anos de sua panamérica. silencioso. uma pena. me faz pensar em pound:

“os artistas são as antenas; um animal que negligencia os avisos de suas percepções necessita de enormes poderes de resistência para sobreviver.

os nossos mais delicados sentidos estão protegidos, o olho por um alvéolo ósseo, etc.

uma nação que negligencia as percepções de seus artistas entra em declínio. depois de um certo tempo ela cessa de agir e apenas sobrevive”.

daqui eu vejo ademir assunção esbravejando de sua espelunca. compartilho da sua ira.
boa viagem, agrippino.

centro cultural banco do brasil itinerante – inscrições abertas para a etapa bh

o centro cultural banco do brasil itinerante está com inscrições abertas para etapa belo horizonte. o evento acontece na cidade de 3 a 15 de julho e o período de inscrições vai até a próxima sexta-feira.
há vagas para as áreas de artes cênicas, plásticas, música, idéias (palestras e encontros, etc) e programas educativos (oficinas, cursos, etc).
clique aqui para conhecer o regulamento: ccbb – etapa bh

notas sobre a vanguarda distraída

depois de escrever o post anterior, recebi inúmeros emails, cartas e mensagens de celular me criticando pelo termo criado para designar a poesia do meu amigo. a linha principal da crítica, (a única que acho pertinente) propunha que, sendo vanguarda, ninguém poderia ser distraído. era, portanto, uma contradição em termos. um dos meus críticos mais duros, inclusive, fez questão de ressaltar que numa guerra, a vanguarda exerce um papel essencial: é sempre o primeiro batalhão a enfrentar o inimigo e que portanto ninguém podia estar neste posto distraído.

isso tudo me divertiu muito. e resolvi, como resposta, acrescentar algumas notas:

1. não se trata de contradição. como vocês puderam notar, a poesia do anderson é mordaz e atenta ao melhor do que acontece ao seu redor. alguém terá notado também que a minha geração cresceu sob o poder daquilo que chamam “cultura de massas” ou “entretenimento” (vulgo xuxa, fausto silva, ana maria braga e outros lixos enlatados). vocês não queriam que eu dissesse: “vanguarda entretida”, queriam?

2. jerzy grotowski foi um importante teórico do teatro que nos anos 60 propunha que a ação teatral se fazia graças a uma difícil tensão que ocorre entre o ator e o espectador, sendo que este ocupa um papel opressor por não se ver, na maioria das vezes, preparado para curtir uma peça e sim para consumi-la. no começo dos anos 70, cansado desta tensão, grotowski decidiu abrir mão dela para produzir um teatro total. ao final, ele diz: se vocês quiserem considerar isto teatro ou não, pouco me importa.

grotowski é um precursor da vanguarda distraída.

3. me diverte muito a idéia de que alguém venha a levar a sério o título que dou aos meus contemporâneos (incluindo-me a mim mesmo). onde já se viu… vanguarda distraída.

4. podia escrever um manifesto. até mesmo porque manifestos já estão fora de moda. por isso mesmo. cairia bem.

5. enganam-se redondamente aqueles que (como o frei betto) ficam por aí dizendo que a minha geração só possui alienados despolitizados que só querem fazer parte do sistema mundial de competitividade proposto pelo capital tio sam. o que nós queremos é comer todo mundo. discretamente, como bons mineiros. numa grande mordida de prazer (se o prato for nutritivo) ou num grande bocejo (se o prato só tiver carboidratos – como o frei betto).

6. fico triste de ver como que toda e qualquer subversão é rapidamente assimilada pelo sistema mundial de consumo. che guevara, lenin, leon trotsky, jozef stalin, marilin monroe, john lennon, jim morrison, bob dylan, cicciolina, andy warhol. todo mundo pode ser tranquilamente jogado na mesma lixeira. por outro lado, vejo que o pessoal até que ganha um dinheirinho com isso. o que não é nada mal. contanto que sobre um pouco também para os poetas. um leitinho de vez em quando, as crianças agradecem.

7. para o meu amigo guerrilheiro, com seu papo de inimigos, eu confesso: fui eu que matei paulo leminski. e enquanto agonizava com ar divertido, ele me explicava a doutrina dos epicuristas e me repetia sempre como num refrão: “distraídos venceremos”

apontamentos de arte radical

está lá no karl marx: “ser radical é tomar as coisas pela raiz. E a raiz para o homem, é o próprio homem”. tomar as coisas pela raiz! pois é. depois vieram os marxistas, os esquerdistas entre aspas e cismaram de usar o termo para designar aquelas pessoas que ficam no polo extremo, de um lado ou de outro. mas radical, não me esquecerei nunca, é tomar as coisas pela raiz. e não gosto mais de gostar de nenhum tipo de arte que não seja radical.

estou falando de arte viva. estou falando de makely ka, renato negrão, ricardo aleixo, marcelo terça-nada! e brígida campbell, zé celso martinez corrêa, juan gelman, marina abramovic. porque ninguém vai me convencer que se faz arte para os mortos. que os mortos governam os vivos. nada disso. mas nesse delírio, encontrei uns caras que vão servir de modelo para a minha arte radical. faço questão de colocar o nome deles aqui.

estou falando de oswald de andrade. eu podia simplesmente não concordar com o pirado do haroldo de campos, que escreveu sobre ele um texto chamado “uma poética de radicalidade”. mas o fato é que ele está certo. oswald é o fundador da modernidade no brasil. e como ele já dizia: “só a antropofagia nos une”. é ela que nos torna brasileiros. é ela que nos permite essa constante transformação do tabu em totem.

o outro radical é também um antropófago. só que italiano. pier paolo pasolini. sendo ele italiano, a antropofagia tem outro sentido: ela não o une a nenhum italiano, mas a todos os homens que vêm do terceiro mundo. daí existir uma puta relação entre pasolini e um outro radical: glauber rocha. pasolini era socialista roxo, mas não concordava com as concessões em favor de um autoritarismo primitivo que se faziam sempre os socialistas. então ele se lembra da oréstia, de ésquilo:

você leu a oréstia, de ésquilo? há pouco traduzi a peça. o contraste entre um estado democrático – mesmo que toscamente democrático e o outro tirânico e arcaico. o ápice da trilogia é o momento em que a deusa atena, a razão, institui a assembléia dos cidadãos que julgam com direito a voto. mas a tragédia não acaba aí. depois da intervenção racional de atena, as erínias – forças desenfreadas, arcaicas, instintivas, da natureza – sobrevivem – são deusas, são imortais. não podem ser eliminadas, não podem ser assassinadas. devem ser transformadas, deixando intacta a substancial irracionalidade que as caracteriza, istó é, mudando as “maldições” em “bênçãos”. os marxistas italianos não se propuseram esse problema, e acho que os russos também não.

e eu concordo com o pasolini. mas hoje estou brincando de citar. e cito outro radical genial, nelson rodrigues: “o ser humano só tem salvação se tomar consciência das suas próprias misérias.”