Arquivo da categoria: Poesia & arredores

Na Modo de Usar e Co.

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Apesar de um pouco sumido, várias notícias quentíssimas têm circulado pela sala do Salamalandro. Vou atualizando aos poucos. Felizmente, sendo o assunto poesia, não preciso funcionar como a mídia midiática, viciada no calor dos fatos. Afinal, como dizia o Pound: “poesia é notícia que permanece notícia, novidade que permanece novidade”.

No mês passado, tive a alegria de aparecer na revista Modo de Usar e Co. O editor, que considero um dos melhores leitores de poesia contemporânea hoje e dos poetas que mais admiro, Ricardo Domeneck, fez e postou uma boa seleção de poemas de Use o assento para flutuar.

Para acessar, basta clicar aqui. Reproduzo abaixo uma página do livro, tal como postada na Modo.

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Não é a primeira vez que apareço por lá. O poeta congolês Tchicaya U Tam’si teve, provavelmente, sua primeirimagesa tradução brasileira, feita por mim, publicada no dia 9 de fevereiro deste ano de 2013. Tchicaya é o autor de obras como Mauvais sang e Feu de brousse e os poemas que escolhi fazem parte da Anthologie de poésie africaine, organizada pelo poeta e romancista Alain Mabanckou. Segundo ele, a négritude francesa não chegou a tocar a obra de Tchicaya.

Quanto a mim, penso que poemas como “Le signe du mauvais sang [O signo do sangue ruim] guardam um parentesco todo especial com o Cahier d’un retour au pays natal e o pensamento de Aimé Césaire. Além disto, esse poema faz referência ao “Mauvais sang” de Arthur Rimbaud que, pouca gente sabe, é um dos precursores da literatura africana do século XX. Em Une saison en enfer, Rimbaud se revela um dos raros autores europeus a se referir a sua própria “raça” sem o velho orgulho, critica seus ancestrais gauleses e afirma “je suis un nègre”, frase que atingiu em cheio os jovens negros que andavam pela Paris dos anos 1930 em busca de uma linguagem própria.

Tchicaya U Tam’Si significa “passarinho que canta sua aldeia” em sua língua congolesa, o que condiz bastante com a obra desse magnífico africano.

Para ler minhas traduções na Modo de Usar e Co., o clique no link.

birago diopEm anos anteriores, outras traduções minhas foram publicadas na franquia virtual desta revista. Uma de que me orgulho muito é a de Birago Diop, poeta que, apesar de bissexto, escreveu um dos poemas mais célebres do continente africano. “Souffle [Sopro]” é um desses poemas-epígrafes, rodeado de misticismo, mistério, fetichismo, ancestralidade. Nele, estão as bases do pensamento animista de boa parte dos povos que habitam há milênios a África.

Além de poesia, escreveu contos inspirados nas narrativas dos Griots que, segundo ele, lhe eram contados por sua avó quando criança. São os Contes d’Amadou Koumba e os Nouveaux contes d’Amadou Koumba.

Diop é da mesma geração dos poetas da Negritude, contemporâneo deles no collège Louis le Grand, se não me falha a memória.

Clicando aqui, você acessa os poemas de Birago Diop na Modo.

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E por falar em Négritude, foram exatamente os principais idealistas desse movimento os primeiros a, generosamente, aparecer na Modo. Domeneck fez uma recompilação dos poemas de Léopold Sédar Senghor que postei anteriormente aqui no Salamalandro, além de dois poemas de Aimé Césaire, que ele postou por lá por ocasião da sua morte em 2008.

Clique aqui para ler os poemas de Léopold Sédar Sengor

Clique aqui para ler os poemas de Aimé Césaire.

Eu já disse isso antes, mas vale a pena repetir: a revista Modo de Usar (tanto a versão impressa como a imagesvirtual) está entre as melhores coisas que rolam hoje em língua portuguesa. Revista independente, tem o mérito de não tratar a literatura como uma instituição, e sim como uma grande comunhão. Editada por Angélica Freitas, Marília Garcia e Ricardo Domeneck, divulga cotidianamente poetas dos quatro mil cantos do mundo. De Ricardo Aleixo a Jerome Rothenberg, de Gertrude Stein a Fabiano Calixto, dos cantos maxacali a Haroldo de Campos.

www.revistamododeusar.blogspot.com.br

Fliv 2013 – Festival Literário de Votuporanga

Fliv - Festival Literário de Votuporanga

Ainda com a agenda aberta para 2013, mas com alguns planos que vão se fazendo aos poucos, participo esta semana do III Fliv – Festival Literário de Votuporanga. Na ocasião, conversarei com o escritor Paulo Lins, autor de livros como Cidade de Deus (que deu origem ao filme homônimo) e o recente e admirável Desde que o samba é samba.

Pela terceira vez consecutiva, colaboro na curadoria do evento, em parceria com o Clube de Autores. Tivemos a honra de receber escritores como Márcia Tiburi, Luiz Roberto Guedes, Lourenço Mutarelli, Ricardo Aleixo, Kátia Canton, Ferréz e muitos outros nos anos de 2011 e 2012.

Este ano teremos, além de Paulo Lins: Marcelino Freire, Sérgio Vaz, Antonio Cícero, Francisco Bosco, Alice Ruiz, Humberto Werneck, Bráulio Tavares, André Dahmer e Alexandra Morais. Com esse belo time, a festa promete também fazer uma bela homenagem aos poetas Frederico Barbosa e Vinícius de Moraes, o bom e velho poetinha camarada. E em alto estilo, com o show de Toquinho e Tiê no evento de abertura.

O evento terá algumas novidades. Uma delas é que a programação acontecerá em pavilhão especialmente montado para o Fliv. Na feira, o público encontrará que também ocupa o pavilhão, o público poderá comprar seus livros a partir de R$ 0,50. Durante o festival, como nos outros anos, o público poderá também prestigiar a programação do Fórum Internacional de Dança, que acontece todo ano, na mesma época, parceria da prefeitura de Votuporanga com a de São José do Rio Preto.

Saiba mais sobre o Fliv no: www.flivotuporanga.com.br

Generosidades de um leitor

Capa do livro Use o assento para flutuar - Design de Leonardo Mathias

Hoje, ao abrir minha caixa de recados pela manhã, encontrei essa generosa mensagem sobre o meu Use o assento para flutuar. Reproduzo-a na íntegra e como veio. O autor é o poeta e tradutor Gabriel Resende Santos, a quem muito agradeço.

leo,

já conhecia teu trabalho fazia algum tempo. como tradutor e poeta. percebia em você um independente, com uma poesia igualmente independente. tinha te lido no teu blog, o salamalandro, e também no escamandro. assisti algumas entrevistas do palavra inquieta. se não estou enganado, uma delas com o claudio willer. a questão é que apesar do interesse, cometi o erro de esperar um tempo considerável para me aprofundar na sua poesia… então.

chegou hoje de manhã a encomenda do teu ‘use o assento para flutuar’. vi no teu título um potencial livro de qualidade. pelo que já tinha lido de você e pelo que alguns amigos como o guilherme gontijo flores escreveram, foi até uma escolha óbvia. tinha boas expectativas. que foram cumpridas.

li num fôlego e já estou relendo. cara, como eu gostei do teu livro. me agradaram demais poemas como especulação imobiliária, as destrezas e os desastres do amor, soneto das pequenas coisas, wtc babel s.a… não. mais que agradar: tocar. me tocaram sentimental e intelectualmente. o magnetismo do seu universo lírico, a ironia por vezes ríspida (gosto muito), a rara beleza visual dos versos + a preocupação com o ritmo (que fez o segmento ‘língua de aruanda’ tão bonito), o respeito pelas formas clássicas (embora sem fixação), as referências sempre orgânicas e não gratuitas, a coragem de não se deixar prender por um “modo de produção”, frequentemente confundido com a noção de estilo. eu teria mais elogios, mas prefiro não prolongar. o que queria te dizer é: tive prazer te lendo. e me sinto grato por isso.

desculpe aparecer do nada. é que desta vez preferi a resposta ao silêncio. também desculpe pela mensagem mal escrita: agora, enquanto a digito, o sono meio que atrapalha. e sono, taí uma coisa que não senti ao ler teu ‘use o assento’. ele me deixou foi muito desperto, embora flutuando

meus parabéns pelo belo livro. abraço grande

Inauguração da CASA NEXO

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É com muito prazer que eu, o Salamalandro, participo da inauguração deste espaço que passará a configurar-se não apenas como local de acontecimentos, mas uma importante parceria. Neste dia, farei um saravá (sarauAH!, saraumaleicum, uma saudação a todos os guardadores dos caminhos que nos levem a “o que realmente importa”) compartilhando poesia com quem por lá estiver.

CASA NEXO CULTURAL surge com a visão de criar um lugar de convergência de uma diversidade de pessoas e conhecimentos voltados a Arte, Cultura Colaborativa e Sustentabilidade em todas as suas dimensões, gerando então um territorio de influências a partir do contato direto com o contexto local e vizinhança, as redes sociais e profissionais de outros lugares, saberes e culturas.

CASA NEXO abre suas portas e janelas para conteúdos, atividades e parcerias que promovam o encontro entre diferentes na busca por complementaridade, gerando um ambiente acolhedor onde os diálogos, a arte e a experimentação criativa, a aprendizagem, a resiliência comunitaria, praticas ambientalmente justas, e novos modos de organização social podem acontecer de forma a nutrir uma comunidade de pratica colaborativa e sustentável.

Saiba mais no:
www.casanexocultural.com.br

No dia internacional da mulher

Convite Recital Menu de Poesia- 08.03.2013-CCSP

No Menu de Poesia, evento mensal coordenado por Maria Alice de Vasconcelos, e que acontece no Centro Cultural São Paulo, faremos hoje, dia 08 de março de 2013, a partir das 20h30, um sarau em homenagem a Alice Ruiz.

Na programação: palestra breve com Frederico Barbosa e leitura de poemas por Ana Rüsche, Beatriz Helena Ramos Amaral, Claudio Daniel, Elisa Andrade Buzzo, Leo Gonçalves, Luiz Ariston Dantas, Silvia Nogueira, Tatiana Fraga, Elson Fróes e a própria Maria Alice Vasconcelos.

O endereço do CCSP é:
Rua Vergueiro, 1000 – Paraíso. Ao lado do metrô Vergueiro.

A entrada é franca!

Um poema de Patrícia Mc Quade

ELE

para meu léu*

“conheço do amor o pouco que me ensinaram
os olhos que me amaram”.
Fédon

um mar revolto
um terremoto no leito
uma agonia mórbida
um estado anestésico de embriaguez
um folhear fosforescente
uma ostra que guarda a palidez da pérola
um aliento afrodisíaco
carnaval em corpus christi
fatal crepúsculo da alvorada
seda de palavras que dá sede de mergulho
som de violino se rindo
estrela desgrelhada
como um deus e seu falo forte
um cacto árido que se dá em flor
um louva-a-deus convalescente
uma ruga no pensamento
que gota a gota se desprende dos olhos
que gota a gota se esgota na boca
um gosto ácido
um gozo acre
todo spoke que pipoca garganta
colapso de intrigas
uma formosura, espécie extinta
um composto de édem
uma libido dos infernos
asfalto de sedimentos precipitados
solução de sentimentos insolúveis
de espasmos líricos e dramáticos
narciso diante do espelho
o reflexo de si e de um outro
uma presença na ausência
um devir inexistente
despótica matéria de paraíso e carne
emaranhado nos cabelos de Ophelia

um exu ao tucupi
baco que dança no tacacá

repique atabaque de iansã

 

*poema publicado originalmente no blog www.sujadepiche.blogspot.com

** Patrícia Mc Quade é poeta, educadora e dramaturga. Autora do monólogo A Vertigem, montado recentemente pelo grupo A Patela Cia de teatro e dança e que conta a história de Fédon, filósofo grego e discípulo de Sócrates. Paulista e mineira, escreveu sua dissertação de mestrado sobre a peça “Os sertões” do Teatro Oficina.

Patrícia Mc Quade

Uma arte e traduções

Há algum tempo atrás, um amigo me escreveu pedindo que traduzisse o poema “Uma arte” de Elizabeth Bishop.

“Você conhece, Leo?”

Conhecia de vista. Fui relê-lo. Procurei no oráculo:

One Art

The art of losing isn’t hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster,

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn’t hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother’s watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn’t hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn’t a disaster.

– Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan’t have lied. It’s evident
the art of losing’s not too hard to master
though it may look like (Write it!) like a disaster.

De fato, gostava muito do poema. Meu amigo dizia não ter lido nenhuma tradução que lhe deixasse satisfeito. Quanto a mim, ao tentar traduzi-lo, me deparei com vários problemas: achava difícil transpor a métrica para o português, mantendo o jogo fixo de rimas e o discurso direto. Além de tudo isso, o poema tem um ritmo que parece meio solene-sem-sê-lo. Fui procurar ver quem o havia traduzido e encontrei esta pérola neobarroca de Horácio Costa:

A arte de perder não tarda aprender;
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que o perdê-las não traz desastre.

Perca algo a cada dia. Aceita o susto
de perder chaves, e a hora passada embalde.
A arte de perder não tarda aprender.

Pratica perder mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, onde pensaste de férias
ir. Nenhuma perda trará desastre.

Perdi o relógio de minha mãe. A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas
foi-se. Não tarda aprender, a arte de perder.

Perdi duas cidades, eram deliciosas. E,
pior, alguns reinos que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, nenhum desastre.

– Mesmo perder-te a ti (a voz que ria, um ente
amado), mentir não posso. É evidente:
a arte de perder muito não tarda aprender,
embora a perda – escreva tudo! – lembre desastre.

(Tradução de Horácio Costa)

Na verdade, esta versão me pareceu extremamente careta, mas dadas as dificuldades do trabalho, achei compreensível. A métrica me soa dura, as rimas se apertam no final das frases para aparecerem. De repente aparece uma palavra em total desuso: “embalde”, há imperativos conjugados com o tu (“pratica”, que na mesma estrofe encontra-se com um “pensaste”), mas o “perca” do começo (provavelmente para não perder o tom de imperativo) é relativo a você. O que me soou menos interessante nesse trabalho do Horácio foi o “não tarda a aprender” para se referir ao simples, claro e direto “a arte de perder não é difícil de dominar”.

Me lembrei que Paulo Henriques Britto havia traduzido um livro de poemas da Bishop. Escarafunchei mais um pouco e encontrei esta excelente tradução que, embora ainda com seus percalços (toda tradução é uma arte de perder), me pareceu profundamente próxima das conspirações do original:

A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

— Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

(Tradução de Paulo Henriques Britto)

Estava ligeiramente saciado. Não totalmente satisfeito. Lendo e relendo ambas, original e tradução, me lembrava daquela ideia que remete tanto a Walter Benjamin quanto a um pequeno texto de Juan Gelman na introdução ao livro Com/posições: a de que a beleza da tradução se encontra adiante, uma vez que dois poemas foram colocados lado a lado.

Esta ideia mesma me trazia o eco de um poema que habitava as minhas memórias sonoras. Fui buscá-lo e de repente me dei conta de que “Poesia Hoje” de Waly Salomão é também uma transversão não apenas do poema, mas também do espírito do poema. Acontece que o Waly, insatisfeito com a mera sensação de perda, resolve o gesto com um amplo latrocínio. Não se conforma com a mera perda. Ele quer mais que isso. Para ele, “não é difícil aprender a arte de perder”, mas “é mister roubar a luz/que cobre/montanha e mar”. Afinal, se tradução é perda, poesia é isto: roubo.

Poesia Hoje
(Waly Salomão)

1

Serena e sem catástrofe.
Não é difícil aprender a arte de perder.

2

Arrasta o dia na areia sua rotina normalmente.
Prestação de contas?
Apólice de capitalização?
Central de recados?
Adquirir o Saint-Clair das Ilhas ?
Fuzarca, carnavais e cinzas.

3

O que existe de valor por aqui exceto a paisagem?
Incontida volúpia de saquear.
É mister roubar. É mister roubar a luz
Que cobre
Montanha e mar.
Roube!

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