Arquivo mensais:dezembro 2015

Rebeldes e revoltados

Rimbaud

Estamos em tempos de revolta. Caiu na rede, jogou palavras ao vento, à esquerda ou à direita, feminista ou machista, racista ou antirracista, fascista ou progressista, direitista-conservador ou anarquista libertário, passando por todas as nuances de um polo a outro, parece que o sentimento mais disseminado por todas e todos é: a revolta. A rebeldia, no entanto, parece uma promessa esquecida, uma utopia obsoleta, jogada ao relento, adormecida como o adormecido do vale de Rimbaud.

O revoltado está puto. Vai quebrar tudo. Prepare-se. É porrada que ele quer.
O rebelde observa.
O revoltado tem certeza. Foi cometida contra ele a maior das injustiças: roubaram seu pirulito, pediu o café, o café não veio, por que estão gritando a essa hora?

Os olhos do rebelde te devoram e te atravessam. Há um alvo, um plano, um fim. Por isso, ele não tem muitas certezas. Certezas podem se transformar em obstáculos intransponíveis.

Revoltado com o ônibus que passou direto, o homem pôs-se a gritar. Parecia um animal a caminho do sacrifício. Seus motivos eram todos muito corretos. Um homem honesto e branco não pode ser deixado às 4h30 da manhã na rua. Não pode ser desprezado assim por um motorista, não pode ser tratado como uma pulga pedindo carona no meio da noite. Onde está o fiscal desta porra?

“Deve ter ido comer coxinha”, responde, rebelde, um adolescente. Se levanta e vai embora. A pé. “Foda-se o ônibus”, diz.

O homem revoltado é uma bomba, um grito em uníssono, o estouro da boiada.

O rebelde é insubmisso: jamais fará parte do rebanho.

O revoltado está reunindo uma turma de revoltados para surrar Emmett Till, o garoto negro que assobiou para uma moça da turma.

Rebelde, Emmett Till olhou safado para a moça da turma e ela retribuiu com tesão. Um dos revoltados viu tudo e resolveu tomar uma atitude. Estou misturando histórias. Não importa.

O revoltado lincha.

O rebelde incomoda.

O revoltado segue às cegas uma causa, um princípio, uma moral, uma ideologia, um deus.

O rebelde olha ouve fareja tateia saboreia.

Rebelde, Rosa se sentou no banco destinado a pessoas brancas e se recusou a se levantar.

O rebelde, no átrio do templo, quebrou as mercadorias, gritou, esperneou e fez cantar a chibata. Disse que deus não está a venda. Revoltados, os donos das mercadorias pediram a cabeça do rebelde numa bandeja. Chamaram-no de terrorista.

O rebelde foge da multidão, vira herói romântico.

Os fãs de hoje são os revoltados de amanhã. Revoltados lincham seus ídolos quando estes fazem algo inesperado. Rebeldes sempre fazem coisas inesperadas.

Rebeldia fez Rimbaud abandonar a poesia aos 20 anos, logo após revolucioná-la. Revoltada por ter sido trocada por um boy, Mathilde Verlaine acusou o marido de sodomia e de outros crimes, obrigando-o a cumprir uma pena de alguns anos. Na prisão escreveu um poema intitulado “Crimen Amoris”.

O rebelde, em tempos de formalidade, aparece na foto com a gravata torta e o cabelo bagunçado.

O revoltado veste uniforme.

Revoltados amam a ordem, por isso não hesitam em vandalizar, destruir, quebrar e saquear o que veem pela frente. Rebeldes detestam a ordem. Por isso se ausentam dela. Seja para destruir. Seja para preservar.

Obrigados a comer o sal extraído pelos ingleses, indianos caminharam até a praia e declararam o sal um bem da natureza. A ordem era ir ao trabalho de trem. O trem era dos ingleses. Por isso, decidiram ir a pé, proporcionando o caos.

Rebeldes podem conviver com o caos porque sabem que ele é uma etapa rumo a uma vida menos esculhambada.
Rebeldia é estratégia.
Revolta é reação.
Rebeldia é senso crítico e duradouro descontentamento.
Revolta é sangue nos olhos.

Há rebeldes que se revoltam.
Há rebeldes que se rebelam.
Tudo depende da hora.
Revoltados apenas se revoltam, mesmo quando os rebeldes iluminam suas almas com grandes sonhos.
Rebeldia é Tesão.
Revolta é retaliação.
Revoltados querem o polegar para baixo.
Rebeldes mostraram o dedo do meio para o César.

Revoltados só estavam seguindo a ordem, a moral e os bons costumes.
Rebeldes perguntaram por quê e foram punidos por isso.
Revoltados, ao se juntar à massa, esqueceram seus princípios.
Rebeldes não se juntaram à massa, não formaram uma massa, mas uniram-se em favor de uma causa maior.

O rebelde quer o fim do poder instituído.
O revoltado quer instituir um novo poder.

Rebeldes invadiram as escolas e exigiram respeito, transformando-as em algo bem melhor do que eram antes.

Rebeldes mudam a natureza das coisas.

Revoltados se enfurecem.