Arquivo da tag: poemacumba

POEMACUMBA inaugurada

Apresentei, no dia 07 de novembro, como parte do Simpoesia III – na Casa das Rosas – a performance POEMACUMBA. Nesta proposição, vocalizo meus poemas que melhor resvalam no lado banto da língua. Orinquices, feitiços, ofós, curas, fetiches. Evocações de sons e vozes ancestrais para encher o ambiente de ngunzu, hal, axé.

Esta performance (anime) é o segundo trabalho onde coloco em prática os princípios do verbo atuante, que vêm sendo desenvolvidos por mim e pelo poetadançarino  Benjamin Abras.

Work in progress, pretendo parafernalizá-la para apresentar outras vezes e decepcionar outras plateias.

(foto: Erin Moure)

outro poema

caiaia

cai água
cai água
cai água
ai ai ai
cai água

cai água
que é doce
cai água
que é sal
cai água
cai água

cai água
no mar
cai água
no lá-
crimejar
cai água

cai gota
com gota
cai gota
cai gota
cai gota

me leva na
enchente um
presente
de lírios
e a pele
menina
desliza

cai água
de leve
na escala
cai água
cai água
de leve
que ela é
delicada

e brava
com calma
cai água
da palma
cai água
cai água
cai água

menina
de saia
com mecha
ondulada
regala
de flores
a orla
da praia
cai água
cai água
cai água

*caiaia, caiala, mikaia: são alguns dos nomes banto da divindade afro-brasileira mais amada do brasil, melhor conhecida como iemanjá.

um poema

canto para matamba

eu canto os estampidos de matamba
paixão nas faíscas de zaze
mulher búfalo – beleza pura do benin
oiá ô eparrei eparrei eparrei
olha o vento na saia dela oiá ô
olha a chuva no cochicho dela oiá ô

eu canto as ventanias de matamba
porque quando o alízio desce
porque quando o siroco sobe
cicia malícia no pelo do ventre
como um baque de delicadeza

então eu canto pelos pelos dela
meus passos sob atabaques
cuícas de uagadugu koras de dakar
meus passos pelas cortes do sahara
e os batuques de tumbuctu

ela zanza com pés de gato
e pele de leopardo
ziguezague nas terras de zambi
seu corpo eletrificando
as fuligens do seu amado
carrega o cântaro de tempestade
o sangue o azeite e o vinho de palma

mas não nada de meio termo
sangue do mais vermelho
derramado das veias da vida
derramado das veias da morte
sangue espesso fervido no metal quente
sangue ardente colhido para fioritura

eu canto a beleza de matamba
e o batuque das nuvens de chumbo
entre as chuvas e as tempestades
derramadas das veias do amor
eu canto a labareda de matamba
eparrei eparrei oiá ô

*este poema apareceu pela primeira vez entre as folhas de girapemba.

.

um pouco de vocabulário pode ajudar a curtir melhor:
dakar: capital do senegal
kora: instrumento de cordas, muito tocado pelos griots do senegal.
matamba, oiá, iansã, motumba, bamburucema, santa bárbara: são alguns dos muitos nomes de um dos orixás mais respeitados nos terreiros do Brasil e da iorubalândia (que inclui nigéria e Benin). primeira esposa de xangô, mulher independente, guerreira, a palas atena do panteão afrobrasileiro.é ela a labareda, dos afro-sambas de vinicius de moraes e a rainha dos raios de caetano/gil.
tumbuctu: importante cidade às margens do sahara.
uagadugu: importante cidade do noroeste africano, capital de burkina faso.
zambi: o nome banto de olorum. divindade que corresponde a “deus” na simbiose afro-cristã.
zaze: é o nome banto de xangô.