Arquivo mensais:agosto 2010

Poesia liberdade

O poeta mexicano Heriberto Yépez defendia, por volta do ano 2000, que fosse abolida a noção de literatura (já caduca) para colocar em seu lugar o “Decir” (Dizer). Gosto muito da crise que essa proposição provoca. “Por uma poética antes do paleolítico e depois da propaganda”, manifesto que aparece no livro de poemas que tem exatamente esse título, é um dos poucos escritos realmente revolucionários que li entre os poetas da minha geração. Só não concordo com o termo encontrado. Acho “Dizer” amplo demais, pode significar coisa demais, pouco específico. Aprendi com as yalorixás que é preciso dizer as palavras certas, caso se queira obter certo resultado.

Quanto a mim, prefiro um outro termo igualmente caduco e relaxado (por remeter a uma falsa idéia de beletrismo e bondade), porém mais específico: poesia. Poesia: elemento pulsante e vital de toda grande obra de arte, seja ela em versos, tinta, bytes, pedra, cores ou sons. Heriberto mesmo não descarta o termo. E fodam-se as especificidades disciplinares.

Mas aí, dizendo isso, me vem à cabeça o que dizia Artaud em 1944. “Revolta Contra a Poesia” é um texto cruel. “Nós nunca escrevemos sem a encarnação da alma, mas ela já estava pronta, e por nós mesmos, quando entramos na poesia. O poeta que escreve dirige-se ao Verbo e o Verbo às suas leis. Há, no inconsciente do poeta, a crença automática em suas leis. Ele se crê livre, mas não o é.” Artaud se dizia “contra a poesia dos poetas”. Ele via “não sei que operação de rapina, que autodevoração de rapina onde o poeta, se limitando ao objeto, se vê devorado por esse objeto”. Uma abjeta devoração de si mesmo. Artaud estava louco? Se estava, alguém me prenda por favor.

Evelyne Grossman, especialista em Artaud e sua biógrafa, mostra* que o missivista de Rodez queria era “não a poesia-objeto (de gozo, de consumo, de leitura… à distância), não a poesia que ele qualificava de “literária”, mas a poesia-força, encantamento, ritmo, “a poesia no espaço” (o que ele definia como teatro), o movimento das sílabas proferidas, expectoradas – os corpos animados por palavras”.

Muitas vezes, publicar um livro de poemas é mais uma questão de estômago. Aceitar ou não aceitar essa abjeta devoração de si mesmo. Há quem suporte. Poemas não são como ensaios acadêmicos: não precisam ser publicados para acontecer. Poetas são muito afoitos. Querem ver logo seus livros publicados, antes mesmo dos poemas existirem. Querem ser vistos, tidos e reconhecidos como poetas. Há inclusive os que estudam semióticas, cânones, linguagens. Mas não se preparam para preencher seus corpos e seus versos com os ritmos e sons gerados no big bang (no fundo todo poema é um big bang). E toda a ousadia que conseguem derramar em seus textos não passa de literatura. Milhares de livros de poesia publicados ao ano. Árvores cortadas em vão. Depósitos e mais depósitos amontoando papel inútil pintado com tinta. Lamentáveis gritos de autoestimas machucáveis. Anotações para diário inúteis para quem não nasceu dentro do corpo do autor.

Prefiro poesia. Não sei se escolho a palavra certa. Mas que importa o certo? Um bom romance muitas vezes é um bom poema. Vice-versa não. Ainda Artaud: “Quando recito um poema, não é para ser aplaudido mas para sentir corpos de homens e mulheres. Corpos, insisto. Vibrar e emanar em uníssono com o meu, emanar como se emana, da obtusa contemplação, do buda sentado, coxas instaladas e sexo gratuito, à alma, quer dizer, à materialização corporal e real de um ser integral de poesia”**.

* no prefácio à edição francesa de Pour en finir avec le jugement de dieu.
** citação de uma carta a Henri Parisot, datada de 6 de outurbro de 1945 e incluída no mesmo prefácio de Evelyne Grossman.

Poemas do Haiti no Suplemento

A edição de junho/2010 do Suplemento Literário de Minas Gerais estampou alguns poemas que traduzi do poeta haitiano Léon Laleau, um dos que mais admiro na língua francesa. Bem pouco conhecido, Laleau escrevia com ironia e bom humor.

O número 1330 do Suplemento traz ainda a participação de dois amigos: o Cleber Araújo Cabral, que, em parceria com Adriana Araújo Figueiredo, fala do escritor mineiro Wander Piroli, e o Eclair Antônio Almeida, que fala sobre e traduz Maurice Blanchot. E tem também poemas, contos, ensaios.

Para quem não sabe, o Suplemento é uma publicação do governo de Minas Gerais e agora é bimestral. A distribuição é gratuita, tanto na forma impressa quanto na virtual, que fica disponível no site da secretaria de cultura do estado. Quem quiser baixar o pdf, é só clicar aqui (ou na capinha do suplemento aí acima).

Jerome Rothenberg, 1966

Proposições revolucionárias
(1966)

1. Uma revolução envolve uma mudança na estrutura; uma mudança no estilo não é uma revolução.

2. Uma revolução na poesia, na pintura ou na música faz parte de um plano revolucionário total. A arte (moderna) é fundamentalmente subversiva. Sua investida é em direção a uma revolução ilimitada (contínua).

3. “Toda forma, qualquer que seja ela, pelo simples fato de que existe como tal & resiste, necessariamente perde vigor & se torna desgastada; para recuperar o vigor, ela deve ser reabsorvida no amorfo, ao menos por um momento; ela deve ser restabelecida à unidade primordial da qual descendeu; em outras palavras, deve voltar ao ‘caos’ (no plano cósmico), à ‘orgia’ (no plano social), à escuridão (como semente), à ‘água’ (batismo no plano humano, Atlântida no plano da história e assim por diante).” -M. Eliade

4. “A árvore da liberdade deve, de tempos em tempos, ser reanimada com o sangue de patriotas & de tiranos. É seu adubo natural”. – T. Jefferson. “Sem contrários não é progressão. Atração & Repulsão, Razão & Energia, Amor & Ódio são necessários à Existência Humana”. -W. Blake

5. É possível racionalizar a história da poesia ou da arte moderna, mascarar seu caráter subversivo; mas mesmo como mania & moda passageiras, a poesia continua a subverter, a destruir os construtos de uma antiga ordem à medida que edifica os construtos-esboços de uma nova ordem.

6. “O desenvolvimento dos cinco sentidos é obra de toda a história do mundo até o presente”. -K. Marx

7. Uma mudança na visão é uma mudança na forma. Uma mudança na forma é uma mudança de realidade.

8. “A função do poeta é espalhar dúvida & criar ilusão.” -N. Calas

Do livro Etnopoesia no milênio de Jerome Rothenberg, organizado por Sérgio Cohn, traduzido por Luci Collin e publicado em 2006 pela Azougue Editorial.

Aos amigos que andaram à procura

Aos dois milhões de leitores que andaram à procura de notícias minhas por aqui, peço desculpas pelo silêncio. Não fui explícito em nenhuma parte ainda, mas a notícia é que deixei as alterosas, as terras belorizontinas para viver em São Paulo. Por aqui, momento inicial de adaptação, amizades novas, trabalhos e outras distrações me mantiveram um pouco longe da salamalandragem.

Excelentes notícias continuam vindo de BH, continuarei repassando o que me empolga por aqui, mas em breve, lançarei novas novas também de São Pã.

As inquietações continuam a mil.

Poemas, em breve novinhos em folha.

Planos para dominar o mundo ocupam o cérebro.

Por hoje deixo apenas o abraço.